O Relato Integrado 2024 da Vale S.A. é um documento denso, tecnicamente elaborado e que traduz a busca da companhia por se reposicionar como líder global em mineração sustentável. Após anos marcados por tragédias socioambientais, como os rompimentos de barragens em Mariana (2015) e Brumadinho (2019), a mineradora aposta em uma nova narrativa pautada na transparência, inovação responsável e governança ESG robusta.
Mas será que a Vale está, de fato, alinhada às melhores práticas globais de sustentabilidade? E mais: em que medida o Relato 2024 cumpre os fundamentos da ABNT PR 2030 – Diretrizes para a Governança das Organizações com Foco em Sustentabilidade?
A seguir, apresentamos uma análise crítica aprofundada sobre o documento, com base nos pilares estruturantes da ABNT PR 2030: Governança, Estratégia, Gestão de Riscos e Medição de Desempenho.
🔒 1. Governança ESG: Estrutura sólida, mas com pontos a amadurecer
A Vale demonstra avanços relevantes em governança organizacional, com destaque para:
Integração de metas ESG à remuneração variável de curto e longo prazo dos executivos (25% da remuneração atrelada a indicadores de Saúde, Segurança, Mudanças Climáticas e Ratings ESG);
Consolidação do modelo de corporation, com sucessão executiva transparente e fortalecimento do Conselho de Administração;
Adesão a frameworks internacionais como o GISTM (Global Industry Standard on Tailings Management), ISSB, GRI, SASB e ICMM.
Crítica com base na ABNT PR 2030:
Apesar desses avanços, ainda faltam informações claras sobre diversidade na liderança, representação de stakeholders na governança e integração efetiva de aspectos ESG no processo decisório estratégico. A PR 2030 preconiza que o sistema de governança seja participativo, transparente e baseado em responsabilidade coletiva — o que requer ampliar a pluralidade e a escuta qualificada nos conselhos e comitês.
🧭 2. Estratégia e Planejamento Sustentável: Integração real ou narrativa de marketing?
O plano “Vale 2030” articula três pilares estratégicos:
Portfólio Superior: prioriza produtos de baixo carbono e inovação em economia circular;
Orientada para Resultados: busca excelência operacional com inovação e segurança;
Parceira Confiável: foca em engajamento social, reparação e licença social para operar.
Há também compromissos ambiciosos, como:
Redução de 33% das emissões absolutas dos Escopos 1 e 2 até 2030;
Redução de 15% das emissões de Escopo 3 até 2035;
100% de uso de energia elétrica renovável no Brasil até 2025 (meta já atingida) e globalmente até 2030;
Recuperação e proteção de 500 mil hectares de vegetação até 2030 (com 218 mil já protegidos até 2024);
Apoio à saída de 500 mil pessoas da extrema pobreza até 2030 (com 51 mil impactadas até agora).
Crítica com base na ABNT PR 2030:
A estratégia é robusta e se conecta com os ODS da ONU, mas carece de conexão explícita entre metas ambientais e impactos financeiros ou de negócio. A PR 2030 recomenda que a sustentabilidade esteja inserida na proposição de valor de longo prazo da organização, e isso exige uma análise sistêmica das interdependências ESG-negócio, o que ainda não é plenamente apresentado.
⚠️ 3. Gestão de Riscos: Avanços operacionais, mas riscos sistêmicos ainda subavaliados
O relatório traz avanços importantes na gestão de riscos operacionais e ambientais, como:
Descaracterização de 57% das barragens a montante;
Implementação do GISTM em 48 das 50 estruturas de armazenamento de rejeitos;
Redução de 60% das exposições a agentes nocivos à saúde desde 2019;
Monitoramento em tempo real via inteligência artificial em barragens e ativos críticos.
Crítica com base na ABNT PR 2030:
Ainda há uma visão fragmentada dos riscos ESG. A norma sugere uma gestão integrada que relacione riscos socioambientais, climáticos, regulatórios e reputacionais em conjunto com os riscos tradicionais de negócio. O relatório ainda trata muitos desses temas em silos. Também faltam cenários climáticos e stress testing climático segundo os critérios do TCFD — hoje obrigatórios em diversas jurisdições.
📊 4. Métricas, Transparência e Prestação de Contas: Destaque positivo com espaço para mais disclosure
A Vale fornece indicadores consistentes, como:
7,7 milhões tCO₂e de emissões Escopos 1 e 2 em 2024 (26,9% abaixo de 2017);
328 Mt de minério de ferro produzidos (maior patamar desde 2018);
USD 257 milhões investidos em descarbonização em 2024;
USD 2,1 bilhões em dispêndios socioambientais e institucionais;
26,5% de mulheres na força de trabalho, mas com ausência de metas claras de equidade de gênero.
Crítica com base na ABNT PR 2030:
Apesar de transparente, a apresentação dos dados não está suficientemente vinculada a indicadores de desempenho financeiro e geração de valor, conforme propõe a PR 2030. Além disso, não há indicadores agregados de impacto líquido ou valor compartilhado por stakeholder, o que dificultaria a replicação da metodologia por empresas menores ou outras mineradoras.
🤝 5. Relação com Stakeholders e Reparação Social: Caminhos promissores, mas confiança ainda em construção
O relatório mostra que a empresa:
Avançou 75% nas obrigações do Acordo Integral de Brumadinho;
Assinou o Acordo Definitivo da Reparação de Mariana, com ampla participação do poder público;
Desenvolveu Protocolos de Consulta com povos indígenas como os Kayapó;
Recebeu 18 mil manifestações de comunidades via canais de escuta ativa.
Crítica com base na ABNT PR 2030:
As ações de engajamento são relevantes, mas a percepção pública da companhia ainda está fragilizada, especialmente em regiões afetadas por tragédias. É essencial demonstrar como os feedbacks da comunidade influenciam diretamente decisões estratégicas, o que ainda aparece de forma genérica no relatório.
📌 Conclusão: A Vale está no caminho da transição — mas precisa evoluir na governança transformadora
O Relato Integrado 2024 da Vale mostra uma organização que reconhece seu passado, investe em transformação e busca alinhar-se às tendências globais de sustentabilidade. Mas, à luz da ABNT PR 2030, ainda são necessários avanços em três frentes principais:
Integração da estratégia ESG aos drivers de valor econômico-financeiro;
Gestão de riscos ESG de forma sistêmica e transversal;
Ampliação da diversidade, participação e escuta na governança corporativa.
Na ESG BUSINESS, acreditamos que a sustentabilidade corporativa não pode ser apenas declarada: ela precisa ser sistematicamente construída, mensurada e integrada ao negócio.
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